Nem 'Tieta', nem 'Vale Tudo'! Há 40 anos, Globo lançava novela que 'matou' cinemas, esvaziou restaurantes e deu até pique em hidrelétrica: 'Nunca se viu...'

Considerada por muitos como uma das maiores novelas de todos os tempos em seus quase 75 anos, "Roque Santeiro" estreou há praticamente 40 anos, em 24 de junho de 1985. Por 209 capítulos, o público conheceu a história censurada em 1975 sobre um falso mártir e milagreiro dado como morto na invasão de uma cidade do interior por uma gangue de bandidos.

José Wilker puxava o elenco que reunia Lima Duarte, Regina Duarte, Lídia Brondi - hoje afastada da TV e na época em de seus maiores papéis -, Claudio Cavalcanti, Ary Fontoura, Lucinha Lins, Tony Tornado e Ruy Resende - atualmente morador do Retiro dos Artistas - só para citar alguns. Detentora de audiência explosiva do início ao fim, "Roque Santeiro" acabou mudando os hábitos da vida noturna em sua primeira exibição.

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"Os cinemas e teatros estão vazios, as chamadas telefônicas interurbanas e o serviço-despertador diminuem 90%, as entregas de remédios a domicilio praticamente deixam de ser feitas (em uma determinada farmácia, de 200 para 40 telefonemas/hora), dizia o início de matéria de 8 de outubro de 1985 do "Jornal do Brasil" citando alguns hábitos abandonados em quatro décadas A essa altura, em Asa Branca, fictícia cidade onde corria a história, Roque já havia surpreendido Sinhozinho Malta e companhia com seu "retorno do mundo dos mortos".

Até mesmo na usina de Furnas, "Roque Santeiro" provocou um abalo em decorrência de um pique no consumo de energia elétrica no país. A publicação dizia que o sistema poderia pifar sem o suporte extra de 1.200 megawatts. Em tom de ironia, Dias Gomes, autor da novela, disparou: "Agora, finalmente, entendi por que a novela foi proibida, acusada de ameaçar a segurança nacional".

E o "rebu" foi ainda maior. O filme "Rei do Rio" teve o lançamento suspenso ou adiado para fevereiro de 1986 em Minas Gerais e em estados do Sul. Ou seja, quando "Roque" já estivesse concluído sua exibição. A peça "Amor em Campo Minado" precisou alterar o horário de suas apresentações para não bater de frente com a trama.

Já as sessões do filme "A Testemunha, de Peter Wier" obteve queda de até 40% nas sessões da noite; o fato foi considerado outro "milagre" do santeiro da TV. Então diretor de uma empresa responsável por lançar filmes, Marco Aurélio Marcondes avaliou o cenário: "Antigamente, o público da noite era responsável por 60% da bilheteria. Hoje, o da tarde - que não aumentou - contribui com 70% da renda. Com a mudança, do horário da novela por causa do TRE (propaganda política por causa das eleições), a situação piorou. Antes, morria apenas a sessão das 20h. Agora, morre a das 22h também".

Proprietário de estabelecimento no centro do Rio, um empresário entregou mudança no comportamento dos homens naquele 1985. "Nunca se viu homens largando o copo e voltando para casa antes da novela. Agora, isso é comum. Antes, eles preferiam deixar passar essa hora e só chegar do 'trabalho' depois que suas mulheres tivessem visto a novela. Mas Roque Santeiro fez a ala masculina mudar de comportamento. Ninguém se constrange em sair mais cedo e dizer que vai ver o 'Jornal Nacional' e, claro, 'Roque Santeiro'", explicou.

O chef José Hugo Celidônio, já falecido, viu mudanças também no jantar das famílias. Na semana anterior à publicação da matéria, só quatro meses estavam ocupadas por volta das 22h de um sábado. Júlio Cesar Canto, do Hipoppotamus, reforçou: "Antes das 22h poucas mesas ficam ocupadas, só aparecem turistas e pessoas mais velhas. O pessoal mais jovem só chega depois de acabado o capítulo do dia, já virou costume".