Parecia uma noite comum. Lidiane Herculano tomou banho e se preparava para dormir quando aplicou o Wedrop, fortalecedor de cílios da WePink, marca de cosméticos fundada pela influenciadora Virgínia Fonseca e pela empresária Samara Pink. Era o início de um pesadelo que completa um mês neste domingo (13).
Lidiane é cabeleireira e maquiadora profissional, tem 45 anos e se identifica como uma entusiasta do universo da beleza. “Sempre fui muito vaidosa”, ela conta em entrevista ao Purepeople por telefone.
Lidiane já era consumidora de longa data dos cosméticos de Virgínia. Ela chegou a recomendar produtos para clientes. “Eu amava a marca. Eu tenho esfoliante de corpo, sabonete líquido, hidratante, vários perfumes.” Curiosamente, ela atende em um salão de Nova Iguaçu, cidade da Baixada Fluminense, onde a WePink inaugurou um quiosque de shopping no último dia 04.
Ela relata que, naquele 13 de junho, passou o Wedrop - e nada além - nos cílios antes de dormir. Esperou secar, conforme a instrução, e se deitou. No meio da madrugada, vieram os primeiros sinais de que algo estava errado.
“Acordei para ir ao banheiro e já comecei a ver tudo nublado, estava tudo cinza. Achei estranho. Lembrei que tinha usado o Wedrop. Eu lavei meus olhos, passei bastante água e lavei também com soro fisiológico. E aí depois eu fui deitar. Achei que no dia seguinte estaria tudo bem”, inicia.
Ao acordar, a visão de Lidiane continuava turva e seus colegas de trabalho recomendaram que ela procurasse um médico. A profissional da beleza detalha que conseguiu atendimento com uma oftalmologista, que, ao analisar o produto, afirmou que há componentes que não são recomendados para a área dos olhos.
Dos componentes informados no site oficial da empresa, sete podem causar irritações em peles sensíveis, em contato direto com as mucosas dos olhos ou quando utilizados em concentrações inadequadas.
“Eu não tenho alergia a nenhum tipo de maquiagem, das mais caras às mais baratas, eu nunca tive nenhum problema. Realmente, foi uma queimadura. Nenhum dos dois médicos nos laudos aponta alergia, foi uma queimadura”, garante Lidiane.
Segundo especialistas, os componentes são: Phenoxyethanol, Imidazolidinyl Urea, Caffeine, Pilocarpus Microphyllus Leaf Extract (Extrato de Jaborandi), Copper Tripeptide-1 (Tripeptídeo de Cobre), 1,2-Hexanediol e SH-Oligopeptide-2. A página de venda do produto não traz informações sobre contraindicações e riscos; limita-se apenas a listar a composição e a descrever o uso em um curto passo a passo.
Lidiane passou a fazer tratamento com quatro colírios, mas continuava com a visão embaçada. No dia seguinte, o quadro piorou. “Eu estava com muita dor e eu já não conseguia mais abrir os meus olhos direito”, relembra. Ela se dirigiu a um hospital oftalmológico em Duque de Caxias, município vizinho. Foi lá que o médico constatou que as córneas dela estavam queimadas.
“Quando forçava para poder abrir, eu via tudo branco, parecia que tinha uma nuvem negra nos meus olhos, inclusive, eu perguntava a quem estava ali cuidando de mim se a bola do meu olho estava preta. Porque a impressão que eu tinha é que meus olhos estavam brancos mesmo, como se fossem aquelas pessoas que têm cegueira. Foi bem pesado durante quatro dias.”
Sem enxergar, Lidiane se afastou do trabalho por uma semana e dependia de outras pessoas para atividades básicas, como comer e ir ao banheiro. O cenário causou pânico não só nela, mas em membros da família. “Teve um dia que minha mãe ficou cuidando de mim e no outro, ela ficou travada em cima da cama, apavorada, com medo de eu não voltar a enxergar. Eu não desejo que aconteça com ninguém o que aconteceu comigo. Só eu e minha família sabemos o que passamos”, recorda.
Recuperada a visão, o transtorno continuou pela falta de comunicação da equipe da WePink. Sem sucesso ao procurá-los, o marido de Lidiane abriu uma chamada no site Reclame Aqui, onde a marca recebeu mais de 90 mil reclamações só no ano passado. A reivindicação só foi respondida no dia 07, nove dias depois da abertura, quando o caso começou a viralizar nas redes sociais.
No mesmo dia, Lidiane recebeu o primeiro contato da equipe jurídica da WePink e preferiu encaminhar o número de seu advogado, Artur Roldão, para as primeiras tratativas. Ao Purepeople, ele informa que o representante pediu o envio de laudo médico e do lote do produto.
“Eu falei que estávamos avaliando, mas quando terminássemos a avaliação, eu daria uma resposta, seja positiva ou negativa. Isso foi por volta de 12h30. Às 17h, estava publicada a nota no Metrópoles”, descreve Artur.
Na nota à colunista Fábia Oliveira [a matéria foi originalmente publicada às 11h10 do dia 6 e atualizada às 17h11 do dia seguinte com o posicionamento da WePink], a equipe diz que Lidiane se negou a fornecer o fortalecedor de cílios para análise pericial. “Seguimos aguardando o envio do produto para analisarmos”, conclui o texto. O advogado conta ter ficado espantado com a postura da empresa e contesta esta versão.
“A gente poderia organizar e fazer essa perícia mesmo que extrajudicialmente, de comum acordo, mas a gente sequer teve tempo para isso. No tempo em que nossa equipe fazia a avaliação internamente, saiu essa nota da WePink e, desde então, não tivemos mais nenhum contato da empresa”, lamenta.
O posicionamento rendeu ataques a Lidiane na internet. Além de ofensas e xingamentos em páginas do Instagram, ela afirma que também recebeu mensagens pejorativas em suas redes sociais e até no WhatsApp.
Lidiane e seu advogado preparam uma ação judicial contra a WePink. Para além de reparar os prejuízos morais e materiais, eles cobram mais responsabilidade com os consumidores.
“A preocupação principal é que a gente consiga, pelo menos, que a marca seja mais transparente, que deixe claro que é um produto que não foi testado oftalmologicamente. Tem na embalagem apenas que foi testado dermatologicamente. Na própria página de venda do produto, não especifica nada disso, não tem contraindicações, não tem orientações. É realmente uma página voltada só para o marketing do produto”, avalia o advogado.
Lidiane voltou a enxergar normalmente, apesar de ainda reclamar da sensibilidade ao sol. Fica, no entanto, o trauma, que tem afetado a íntima relação da cabeleireira com o universo dos cosméticos.
“Eu ainda não consigo passar nada no meu rosto. Os meus olhos, então, nem se fala. Eu, que sempre gostei de me cuidar, de estar maquiada, de estar apresentável, realmente estou traumatizada. O ocorrido já tem quase um mês e eu ainda não lavei o meu cabelo em casa, só estou lavando o cabelo no salão para não correr o risco de cair nenhum tipo de substância química nos meus olhos.”
Agora, ela busca justiça não apenas para si, mas também para evitar que outras pessoas corram o mesmo risco. “As empresas precisam ter cuidado com seus consumidores, precisam ter mais carinho. Porque, sim, de repente poderia ter sido uma cegueira.”
A assessoria de imprensa da WePink respondeu a equipe do Purepeople na manhã desta quarta-feira (16), 15 dias depois da primeira das várias tentativas de contato. A empresa enviou um comunicado assinado pelo advogado e completou que não vai conceder entrevistas ou prestar esclarecimentos adicionais sobre o caso. Confira a nota na íntegra:
Nota oficial – WePink
A WePink informa que, diante de uma solicitação recebida por uma consumidora, foi oferecido o reenvio do produto em questão por meio de logística reversa ou coleta autorizada pela empresa, com o objetivo de viabilizar a análise técnica e pericial necessária.
No entanto, a consumidora optou por não devolver o item e também não apresentou o laudo técnico que fundamentasse sua solicitação. Diante disso, a empresa permanece no aguardo do envio do produto para que seja possível realizar a devida apuração dos fatos.
Felipe S. De Paula
Jurídico – WePink