[ALERTA: o texto a seguir aborda assuntos relacionados a violência doméstica. Caso você esteja passando por uma situação do tipo ou conheça alguém que precise de ajuda, procure a Central de Atendimento à Mulher, disponível 24 horas pelo telefone 180, ou a Delegacia Especializada da Mulher (DDM) mais próxima]
A trajetória de Vanusa, uma das vozes mais marcantes da música brasileira, sempre foi acompanhada de aplausos, festivais, sucessos nos palcos e presença constante na TV. Mas, segundo sua própria autobiografia - como reportou o R7 - a vida por trás dos holofotes foi marcada por violência, abandono e sobrevivência desde a infância até a vida adulta.
A cantora decidiu colocar essa verdade no papel apenas décadas depois, quando já não conseguia mais sustentar o silêncio que ela mesma considerava “injusto”. Em seu relato, Vanusa conta ter se casado sete vezes, sendo seis relacionamentos extremamente conturbados e, em muitos deles, violentos. E a violência não começou na vida adulta: ela narra ter sido agredida ainda criança pelo próprio pai!
“Vou me expor e confessar que fui 'covarde' porque apanhei de alguns maridos e não os denunciei para não prejudicar minha carreira”, disse ela, em entrevista à revista "Isto é", na época em que lançou o livro. E Vanusa não ficou no genérico: ela deu nome aos responsáveis e detalhou episódios de brutalidade e tensão que marcaram cada fase da sua vida.
Segundo ela, Antônio Marcos, cantor e compositor e seu primeiro grande amor, foi um dos relacionamentos mais difíceis - não por agressão física, mas pelos problemas dele com álcool, que deterioraram o casamento e a rotina familiar. Ainda assim, Vanusa sempre reconheceu que Marcos foi “o grande amor” de sua vida.
Depois dele, Vanusa se casou com o diretor da Globo, Augusto César Vanucci, com quem viveu momentos de violência e também com o jogador Ademir Vicenti. Em outro relacionamento, com o empresário Francisco Machado Cotta, ela relata um episódio particularmente grave: segundo lembrou o O Globo ao citar o livro, Cotta teria lhe dado uma cabeçada no supercílio, o que resultou num derrame nos olhos e a deixou marcada por semanas.
Mas não foi só isso. Em outro casamento, descrito pela cantora como “o penúltimo e mais predatório”, Vanusa conta ter vivido praticamente confinada em Saquarema, monitorada e ameaçada. Por medo, ela não cita o nome desse sexto companheiro nem na autobiografia.
Em todos esses relacionamentos, um padrão se repetia e ela própria o sintetiza em uma frase dura: “Chegava um momento em que eles queriam que eu parasse de cantar". E isso era algo que Vanusa jamais admitiu.
A cada separação, ela saía de casa levando apenas os filhos, alguns livros, discos e um velho gramofone, presente dado por Antônio Marcos. Foram nesses intervalos de dor que também se firmou a força com a qual, anos depois, ela cantaria temas relacionados à violência contra a mulher e à autonomia feminina.
Vanusa não foi apenas protagonista de uma história pessoal intensa, ela foi uma das vozes mais importantes da música brasileira entre os anos 1960 e 1980. Revelada ainda jovem, ganhou projeção na Jovem Guarda, fez parte dos grandes programas de auditório da época, gravou sucessos que entraram para trilhas de novelas e se consolidou como uma artista de forte presença vocal e cênica.
Também se destacou como compositora e apresentadora, além de se tornar referência para cantoras que vieram depois. Ao longo das décadas, lançou discos marcantes e viveu fases de grande popularidade. Mesmo nos períodos de instabilidade pessoal, Vanusa voltava aos palcos, participava de programas de TV e mantinha uma base sólida de fãs, o que tornava ainda mais difícil para ela admitir publicamente tudo o que vivia dentro de casa.
Mas, nos últimos anos, sua saúde começou a declinar. Vanusa enfrentou um quadro de depressão desde os 34 anos, que se intensificou com o tempo. Para tentar controlar a ansiedade e a tristeza profundas, passou a depender de calmantes, o que a levou a períodos de internação e crises recorrentes.
Posteriormente, a cantora passou a sofrer com problemas renais, episódios repetidos de pneumonia e um quadro semelhante à demência, que afetava sua memória e sua cognição - condição que, segundo a família, lembrava sintomas de Alzheimer, embora nunca tenha sido formalmente diagnosticada dessa forma.
Entre fragilidades e recomeços, passou os últimos meses em uma casa de repouso em Santos, onde recebia cuidados constantes. Foi lá que morreu, em 8 de novembro de 2020, vítima de insuficiência respiratória, aos 73 anos.