Em 2020, uma pesquisa realizada pelo instituto YouGov revelou que 1,6 bilhão de pessoas no mundo podem ter algum distúrbio da tireoide. Durante a pandemia, a atriz e cantora Cleo Pires descobriu uma doença que pode ser passar despercebida pela falta de sintomas evidentes na fase inicial: a tireoidite de Hashimoto.
Trata-se de uma doença autoimune em que o próprio corpo ataca a tireoide, o que causa inflamação e reduz a produção de hormônios tireoidianos. O problema pode causar hipotireoidismo, que acarreta sintomas como fadiga, ganho de peso e depressão, alguns deles descritos por Cleo.
"Você fica totalmente debilitada, fica esquecida, exausta, tonta, não consegue ficar deitada. É horrível", relatou Cleo, em entrevista ao “PODDELAS”. Para o tratamento, a atriz adotou uma reeducação alimentar e, hoje, evita comidas com alto teor de calorias, açúcares, gorduras e sódio.
A filha de Fábio Jr. também alertou para a dificuldade no diagnóstico: "O médico tem que ficar muito atento, provavelmente eu já tinha isso antes, só que ela chegou em um ponto que meio que explodiu dentro do meu sistema e eu não estava mais conseguindo fazer coisas básicas, mas isso não tinha sido acusado por nenhum médico".
Mas, afinal, o que causa a tireoidite de Hashimoto? Quais as principais consequências do não tratamento? É possível reverter? Para tirar essas e muitas outras dúvidas, o Purepeople convidou a endocrinologista Sandra Campos, do Hospital Unique, em Goiânia. Confira a entrevista a seguir.
Quais são os principais sintomas que podem indicar a doença?
No início, a tireoidite de Hashimoto pode ser silenciosa. Quando a produção dos hormônios da tireoide diminui, aparecem os primeiros sintomas. Desaceleração do metabolismo e suas consequências: cansaço (até 86% das pessoas afetadas), ganho de peso (24–59%), intolerância ao frio (35–65%), constipação (33–41%), queda de cabelo, pele seca, além de redução do ritmo cardíaco e comprometimento de memória e atenção (45–48%). Nas mulheres, pode haver irregularidades menstruais, infertilidade e maior risco de aborto.
Existe uma faixa etária ou perfil mais comum de pacientes?
A doença é mais comum em mulheres de todas as idades e idosos em geral. O risco também é maior em pessoas com histórico familiar da doença, outras doenças autoimunes (como diabetes mellitus tipo 1) e síndromes genéticas (Down e Turner).
Por que tantas pessoas com Hashimoto reclamam de falta de memória?
O hipotireoidismo reduz a atividade metabólica do cérebro, tornando o raciocínio mais lento e prejudicando memória e concentração. Com o tratamento adequado e normalização do TSH (Hormônio Estimulador da Tireoide), esses sintomas tendem a melhorar.
Cleo Pires relatou dificuldade para ter diagnóstico. Isso é comum? Por quê?
Sim, é comum. Os sintomas são inespecíficos e podem se confundir com estresse ou depressão. Além disso, fatores como uso de biotina em altas doses ou medicamentos (por exemplo, amiodarona, lítio, imunoterápicos) podem interferir nos exames. Para se obter um diagnóstico preciso, é feita a dosagem do TSH (se está alto) e do T4 livre (se está baixo). Alguns tipos de anticorpos muito específicos ajudam a identificar a causa, mas não são obrigatórios para o diagnóstico.
Lexa disse que controlou a doença para engravidar com segurança. O que muda no pré-natal?
O hormônio da tireoide é fundamental para o desenvolvimento cerebral do bebê. Quem já usa levotiroxina [medicamento hormonal recomendado nos tratamentos do hipotireoidismo] costuma precisar aumentar a dose em cerca de 30%, a partir do momento em que se confirma a gestação. Além disso, o TSH deve ser monitorado a cada quatro semanas até a metade da gravidez e novamente por volta de 30 semanas da gestação. O ideal é já otimizar o TSH antes de engravidar.
A alimentação influencia? Dá para prevenir?
Não existe dieta que cure ou previna a síndrome de Hashimoto. O essencial é manter a ingestão adequada de iodo porque tanto a falta quanto o excesso prejudicam a tireoide. Suplementos de iodo, selênio ou vitamina D não são recomendados de rotina. Ajustes alimentares devem sempre ser feitos sob orientação médica e nutricional.
O estresse pode agravar a doença?
O estresse não causa Hashimoto, mas pode piorar sintomas e dificultar o tratamento. Sono regular, atividade física e controle do estresse são aliados importantes na qualidade de vida.
É uma doença curável?
A tireoidite de Hashimoto é uma doença crônica. Não falamos em cura, mas sim em controle eficaz dos sintomas com a reposição hormonal e acompanhamento periódico.
Qual é o tratamento padrão?
O tratamento de primeira linha é a levotiroxina (LT4) oral, em jejum. A dose média é de 1,6 µg/kg/dia, ajustada para cada paciente (menor em idosos ou cardiopatas, maior na gestação). É importante evitar cálcio e ferro por 4 horas após a ingestão. O TSH deve ser checado em 6–8 semanas após iniciar o tratamento ou após ajustar a dose e depois anualmente, quando estável.
O que acontece se a dose não estiver bem ajustada?
Tanto o excesso quanto a falta da levotiroxina aumentam os riscos de eventos cardiovasculares, fibrilação atrial, AVC e fraturas. Por isso, o uso contínuo da medicação e checagens regulares do TSH e T4 livre são fundamentais para segurança e eficácia do tratamento.
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