
A nova versão de "Vale Tudo", grande aposta da TV Globo para 2025, promete revisitar um clássico da teledramaturgia com um olhar mais atual e atento às pautas contemporâneas. Escrita por Manuela Dias, a novela já vem chamando atenção por modernizar temas como desigualdade social, ética e representatividade LGBTQIA+. Entre os pontos que mais têm gerado discussão nas redes sociais está a dúvida: vai ter casal gay na trama?
Um dos personagens que mais desperta curiosidade no remake é Tiago. Interpretado por Pedro Waddington, ele é retratado como um rapaz sensível, introspectivo, apaixonado por artes e hipismo. A amizade próxima com André (Breno Ferreira) e a vigilância constante de seu pai, Marco Aurélio (Alexandre Nero), levantaram suspeitas e especulações do público sobre a orientação sexual do personagem. Na novela, Marco Aurélio demonstra incômodo ao ver o filho em situações íntimas com o amigo — como estar sozinho com ele no quarto —, o que adiciona tensão e ambiguidade à narrativa.
Apesar disso, até o momento, o roteiro não confirmou se Tiago é gay, bissexual ou heterossexual. A única indicação concreta foi sua aproximação amorosa com Fernanda (Ramille), o que, por ora, aponta para um possível relacionamento heterossexual. Ainda assim, a construção do personagem deixa espaço para que sua trajetória amorosa e identidade sejam mais bem exploradas ao longo da novela — especialmente considerando o histórico de atualizações que o remake vem promovendo.

Na versão original de "Vale Tudo" (1988), Tiago foi interpretado por Fábio Villa Verde. Ele era um jovem sensível, apaixonado por natação e alvo de desconfiança do pai, que questionava sua orientação sexual — algo que nunca foi abordado diretamente na trama. Tiago viveu um romance com Fernanda (Flávia Monteiro) e teve um desfecho feliz, conseguindo ficar com a moça após a morte de sua avó, Odete Roitman (Beatriz Segall), que se opunha ao relacionamento. Com a fuga do pai do país, após ter seus crimes expostos, Tiago também ganhou liberdade emocional.
Enquanto o arco de Tiago segue cercado de dúvidas e interpretações, o casal lésbico formado por Cecília e Laís vem com força total no remake. Interpretadas por Maeve Jinkings e Lorena Lima, respectivamente, as personagens vivem um casamento estável e amoroso e criam juntas uma filha adotiva. É uma atualização potente da história original, na qual Cecília (Lala Deheinzelin) morria logo no início da trama.
Diferentemente do que foi inicialmente noticiado, Maeve Jinkings não passou por testes para o papel. Ela foi convidada diretamente pela autora Manuela Dias e pelo diretor Paulo Silvestrini para interpretar Cecília Catanhede, irmã do vilão Marco Aurélio. A primeira informação que recebeu foi decisiva: sua personagem não morreria, garantindo espaço contínuo na narrativa para um casal homoafetivo, agora tratado com mais profundidade e dignidade.

"Há uma importância política nessa afirmação de a personagem seguir na narrativa", disse Maeve à Folha de S.Paulo. "Se você olhar o arco da história e das representações da comunidade LGBTQIA+ nas narrativas de ficção, a morte desses personagens era — e ainda é — muito comum. Estamos lutando um pouco contra isso."
Na primeira versão, a relação entre Laís (Cristina Prochaska) e Cecília sofreu com cortes impostos pela censura — embora a ditadura militar já tivesse acabado, a Divisão de Censura de Diversões Públicas ainda atuava. A morte de Cecília, na época, foi usada para levantar a discussão sobre o direito à herança entre casais homoafetivos, mas a trama foi rapidamente abafada e perdeu relevância dentro da novela.
Para Maeve Jinkings, interpretar Cecília é também uma forma de sair da bolha: "A gente não pode esquecer que o Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo", alertou. Bissexual assumida, ela vive um relacionamento com a cineasta Carolina Marcowicks desde 2022 e acredita que, embora o ator possa interpretar qualquer papel, ainda é necessário que pessoas LGBTQIA+ contem suas próprias histórias em espaços de destaque.

Com direção artística de José Luiz Villamarim e um elenco poderoso que inclui Debora Bloch (como Odete Roitman) e Bella Campos (como Maria de Fátima), "Vale Tudo" 2025 aposta alto em relevância social sem abrir mão da emoção clássica que fez da trama um marco da teledramaturgia.
A dúvida sobre a sexualidade de Tiago continua no ar, mas o fato de o remake abordar com sensibilidade e centralidade uma relação homoafetiva como a de Cecília e Laís já marca um avanço expressivo. "Vale Tudo", mais uma vez, se propõe a fazer o público pensar — agora com ainda mais vozes sendo ouvidas.