






Se Miranda Priestly, personagem de Meryl Streep em "O Diabo Veste Prada", estivesse entre nós, certamente estaria polindo seus óculos de leitura e preparando um sermão. Ou talvez Anna Wintour, a editora de moda mais famosa do mundo, simplesmente revirasse os olhos e aplicasse um gelo monumental em Manuela Dias. A autora da nova versão de "Vale Tudo" causou um alvoroço ao comentar sobre uma importante personagem da trama em entrevista ao Estadão.
A novelista, que já prometeu momentos polêmicos no remake da Globo, fez declarações controversas sobre ninguém menos que Solange Duprat. Na versão original de 1988, a icônica jornalista de moda foi interpretada por Lidia Brondi, e agora Alice Wegmann assume esse desafiador papel. Uma das principais diretoras da agência 'Tomorrow' sempre soube que roupa é muito mais do que um simples pedaço de tecido costurado.
Em entrevista ao Estadão, Manuela Dias comentou sobre a adaptação dos personagens para os tempos modernos e soltou a seguinte pérola:
"Solange, na primeira versão, é o que se chama de it girl, sempre preocupada no que vestir. Atualmente, a meu ver, uma pessoa focada no vestir é superficial. E não vejo Solange como uma mulher superficial, apesar dela se vestir de maneira incrível. O figurino dela é todo de brechó. É uma mulher totalmente workaholic..."
A fala acendeu um debate acalorado, especialmente entre os fãs da trama original e especialistas em moda. Afinal, reduzir Solange a uma "it girl" vazia é praticamente um crime fashion digno de ser julgado no tribunal de Anna Wintour.
Na versão original de "Vale Tudo", exibida em 1988, Solange era uma jornalista de moda muito consciente no mundo fashion. Diferente da Maria de Fátima, que apenas perseguia grifes sem compreendê-las, Solange tratava a moda como expressão cultural e comportamental. A caracterização de Solange teve um impacto significativo na moda da época. O corte de cabelo usado pela personagem, com franjas curtas, foi amplamente imitado pelas mulheres daquele período.
Embora as fontes disponíveis não detalhem as influências específicas de estilistas japoneses como Issey Miyake e Yohji Yamamoto no figurino de Solange, pelo uso de peças de alfaiatarias, é evidente que sua representação como uma profissional de moda antenada e sofisticada contribuiu para discussões mais profundas sobre moda como expressão cultural e comportamental na trama.
Assim como não há evidências sobre as matérias produzidas pela personagem Solange Duprat na novela "Vale Tudo" (1988), é relevante contextualizar a discussão sobre o uso de sutiãs pelas mulheres no âmbito do feminismo e da moda. A "queima de sutiãs" de 1968 é frequentemente citada como um marco simbólico do movimento feminista, representando a luta contra os padrões de beleza impostos pela sociedade patriarcal. Embora a queima literal dos sutiãs não tenha ocorrido, o evento tornou-se um símbolo da contestação feminina contra estereótipos de beleza e submissão.
A declaração de Manuela Dias rapidamente gerou reações nas redes sociais. Muitos internautas resgataram a icônica cena de "O Diabo Veste Prada" (2006), em que a editora de moda Miranda Priestly, interpretada por Meryl Streep, destrói a ilusão de que moda é irrelevante para Andrea Sachs, interpretada por Anne Hathaway. No monólogo mais temido do cinema fashion, ela explica que até o mais básico dos suéteres tem uma história construída dentro da indústria da moda.
"Você vai até o seu armário e escolhe, digamos, este suéter horroroso, por exemplo, porque está tentando dizer ao mundo que se leva muito a sério para se importar com o que você vai vestir. Mas o que você não sabe é que a cor desse suéter não é um simples azul, não é turquesa, não é lápis lazúli. Ele é azul celeste. Oscar de la Renta fez uma coleção de vestidos azuis celeste. Acho que foi Yves Saint Laurent que fez jaquetas militares azuis Celeste. E então Celeste apareceu depois em coleção 80 e outros estilistas e então passou para as lojas de departamento e depois daí foi parar em lojas populares, onde você sem dúvida comprou este numa liquidação. No entanto, o azul representa milhões de dólares e incontáveis trabalhos e é meio cômico como você pensa que fez uma escolha que a exime da indústria da moda, quando na verdade está usando um suéter escolhido para você pelas pessoas desta sala."
A reação do público foi clara: "Solange nunca foi uma dondoca deslumbrada com marcas caras. Pelo contrário, sempre entendeu que a moda é um reflexo da cultura e da sociedade. E se tem alguém que precisa ouvir uma bronca de Miranda Priestly, talvez seja a própria Manuela Dias."
Esse debate resgata uma velha armadilha: a ideia de que mulheres interessadas em moda são automaticamente menos inteligentes ou fúteis. Enquanto conhecimentos sobre esportes, carros e tecnologia são valorizados, o mesmo nem sempre acontece com a moda, que ainda luta para ser levada a sério como um campo de estudo e expressão artística.
Solange, em "Vale Tudo", pode ser um exemplo de personagem que desafia esse estigma. Pode ser a oportunidade de mostrar que a moda não é apenas sobre comprar roupas bonitas, mas sobre entender o contexto por trás delas. Reduzi-la a uma workaholic sem tempo para pensar no que veste pode ser um erro tão grande quanto achar que não podemos misturar listras com poá.
Com a nova versão da novela em desenvolvimento, resta saber se Manuela Dias realmente vai seguir esse caminho ou se vai entender, antes que seja tarde demais, que Solange merece continuar sendo a mulher sofisticada, inteligente e inovadora que sempre foi – e não mais uma vítima da visão limitada de que a indumentária do personagem não é importante para a narrativa.