Bem antes de "Homem com H", em uma entrevista sincera e profunda concedida ao colunista Jackson Araujo, da Folha de S.Paulo, em 30 de agosto de 2009, Ney Matogrosso surpreendeu ao compartilhar detalhes de uma experiência transformadora. Conhecido por sua liberdade artística, entrega cênica e posicionamento fora do convencional, o cantor revelou que nenhuma outra substância teve impacto tão profundo em seu autoconhecimento. Ficou curioso? O Purepeople te conta tudo!
A jornada de Ney começou no coração da Amazônia. Foram três dias de canoa por um igarapé, imerso na mata e cercado por jacarés. "Quando ia anoitecendo, aquilo ficava cheio de jacarés, e eu pensava: bom, se acontecer alguma coisa aqui e eu morrer, até que alguém descubra, já não restará nada", contou. Diante da possibilidade real de morte, o artista diz ter compreendido a fragilidade da existência e aprendido que "não tem muito como você querer nada, almejar grandeza na vida, porque tudo pode acabar num segundo."
Essa vivência intensa marcou um ponto de virada. Aos 45 anos, ele enfrentou bloqueios emocionais que carregava desde a adolescência. Em um dos momentos mais reveladores, reviveu uma cena marcante dos 13 anos, gritando no portão de casa, no Mato Grosso, proclamando: "Eu não preciso de amor de pai e mãe, quero que o mundo se foda!" Segundo Ney, esse grito foi o início de uma couraça emocional que só se rompeu durante os rituais com o Daime.
O Santo Daime é uma expressão religiosa que surgiu na região amazônica nas primeiras décadas do século XX. Baseia-se em uma doutrina espiritualista que utiliza a ayahuasca, conhecida também como Daime, como elemento central de seus rituais.
Ao falar sobre sua experiência com a bebida, Ney revelou:
"Foi uma experiência transformadora. Toda a droga que eu tomei a vida inteira não me transformou tanto quanto o Daime. E eu sempre tomei droga com foco no autoconhecimento. Nunca foi pra ficar doido e dançar em boate. Toda droga que tomei não me colocou no patamar de compreensão de mim mesmo como o Daime foi capaz. Você não coloca em palavras, coloca em ação. Aquilo é organizado por seringueiros. Os hinos passam conceitos universais, porque são conceitos humanos ditos de maneira simplória, com palavras erradas até. Quando eu tomava ácido, tinha muitos 'insights', mas, quando a viagem acabava, eu não me lembrava. No Daime, quando um conceito bate, se você tem alguma questão, estaciona naquilo até ter a compreensão total."
Durante os rituais, o cantor percebeu que carregava um bloqueio afetivo localizado no plexo cardíaco. "Aqui [aponta para a pélvis], eu era liberado; aqui [cabeça], eu era liberado, mas aqui [coração], que ninguém se aproximasse." O processo de cura, segundo ele, não se deu em palavras, mas em ação e sensação. "Você não coloca em palavras, coloca em ação."
O resultado foi libertador: "Fiquei mais receptivo, amoroso, acessível", disse. Amigos notaram a mudança: "A gente te abraça, e você endurece", diziam antes. Hoje, Ney sente que está inteiro: "Agora eu estou todo funcionando: sexo, cabeça e emoção. Mas precisei viver muito pra chegar nesse acordo comigo mesmo."