A série “Os Donos do Jogo”, que estreou na última quarta-feira (29) na Netflix, rapidamente se tornou um dos assuntos mais comentados do país e já figura entre os títulos mais assistidos da plataforma. Misturando ficção, drama e poder, a trama apresenta diferentes famílias de contraventores que disputam território e influência no submundo dos jogos de azar.
Boa parte dessas histórias não é apenas fruto da imaginação: diversos personagens teriam sido inspirados em figuras reais do jogo do bicho carioca, retratadas no documentário “Vale o Escrito”, do Globoplay. O resultado é uma narrativa envolvente, que mescla realidade e fantasia, levando o público a uma pergunta irresistível: onde termina a ficção e começa a verdade?
De acordo com os próprios criadores, Heitor Dhalia, Bernardo Barcellos e Bruno Passeri, a série foi inspirada em “histórias de poder e ambição” no submundo do Rio de Janeiro, mas sem se prender a personagens específicos.
Em entrevista à BBC, Dhalia comentou: “É ficção, mas com um grau de verossimilhança bastante alto”, afirmou o diretor. “Entendemos que, para traduzir um universo tão complexo como esse, era necessária uma pesquisa muito bem fundamentada”.
A seguir, veja como as famílias da ficção se dividem e quais personagens podem ter inspiração direta nos bastidores reais do poder no Rio de Janeiro.
© Divulgação, Aline Arruda / Netflix
O patriarca Galego Fernandez (Chico Diaz) lidera o clã com mão firme, representando a velha guarda do jogo. Ao seu lado, está Leila Fernandez (Juliana Paes), mulher que administra os negócios à sombra do marido, mas demonstra habilidade e influência nos bastidores. O núcleo ainda conta com Santiago (Henrique Barreira), o filho que tenta modernizar as operações, e Xavier (Otávio Müller), irmão de Galego que não hesita em disputar o comando.
Na vida real:
- Galego Fernandez (Chico Diaz) parece ecoar características de Miro Garcia, um dos mais antigos e influentes bicheiros do Rio de Janeiro, conhecido por seu estilo galanteador e pela habilidade em negociar poder. Também há referências a Maninho Garcia, seu filho, assassinado em 2004. O personagem pode ainda lembrar Castor de Andrade, um dos maiores bicheiros da Zona Oeste, patrono do Bangu e da Mocidade Independente de Padre Miguel, símbolo máximo da velha guarda da contravenção carioca.
- Leila Fernandez (Juliana Paes) pode remeter a Sabrina Harrouche Garcia, viúva de Maninho, uma figura de respeito e influência nos bastidores da família Garcia.
- Santiago Fernandez (Henrique Barreira) pode ser associado a Gabriel David, empresário e filho de Anísio Abraão David, patrono da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis e nome importante no Carnaval do Rio de Janeiro.
- Já Xavier (Otávio Müller) pode guarda semelhanças com Aílton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, ex-militar e histórico bicheiro, um dos nomes mais conhecidos da cúpula da contravenção fluminense.
© Divulgação, Aline Arruda / Netflix
O núcleo Guerra é comandado por Jorge Guerra (Roberto Pirillo), uma lenda viva da contravenção que, debilitado pela idade, vê seu império ameaçado. Nesse vácuo de poder surge Búfalo (Xamã), lutador de MMA que ganha notoriedade e ascende ao topo, impulsionado pela esposa Suzana (Giullia Buscacio) e pela cunhada Mirna (Mel Maia) — duas mulheres fortes, ambiciosas e rivais dentro do próprio lar.
Na realidade:
- Jorge Guerra (Roberto Pirillo) parece ecoar características de Miro Garcia, o patriarca da família Garcia. Ele era chamado de “Bradesco da Contravenção”, por controlar cerca de 250 bancas do jogo do bicho no Rio de Janeiro, além de ter presidido a escola de samba Salgueiro. O personagem também traz semelhanças com Ângelo Maria Longa, mais conhecido como Tio Patinhas, contraventor e bicheiro brasileiro que foi um dos mais ricos e influentes banqueiros do jogo do bicho nas décadas de 1970 e 1980.
- Suzana (Giullia Buscacio) e Mirna Guerra (Mel Maia) parecem ser uma fusão inspirada nas irmãs gêmeas Shanna e Tamara Garcia, ambas se tornaram conhecidas por suas rivalidades e disputas públicas de poder após o assassinato do pai.
- Búfalo (Xamã), por sua vez, parece reunir traços de José Luiz de Barros Lopes, o Zé Personal, ex-genro de Maninho, assassinado em 2011 na Praça Seca, no Rio. Mas o personagem também pode remeter a Bernardo Bello, ex-marido de Tamara Garcia, figura poderosa e polêmica no meio da contravenção, conhecido por sua influência e proximidade com círculos de poder. Além disso, Búfalo parece carregar traços do caráter explosivo e bélico de Maninho, que, segundo investigações da Polícia Federal, não hesitava em recorrer à violência para resolver disputas.
© Divulgação, Aline Arruda / Netflix
Do outro lado da cidade, surge a Família Moraes, representada por Profeta (André Lamoglia), um jovem ambicioso que usa sua inteligência estratégica para se infiltrar no mundo da contravenção. Ao lado do pai Nélio (Adriano Garib) e dos irmãos Nelinho (Pedro Lamin) e Esqueleto (Ruan Aguiar), Profeta tenta conquistar espaço na elite do jogo, com o apoio do fiel aliado Sombra (Igor Fernandez).
Na realidade:
- Profeta (André Lamoglia): Pode ser associado também a Bernardo Bello, que “entrou para o negócio depois de se casar com a filha de um dos mais importantes contraventores do estado” e é considerado “um dos chefes do jogo do bicho no Rio” que está sob investigação por lavagem de dinheiro, organização criminosa e disputa de poder após a morte de familiares envolvidos no jogo.
- Nélio (Adriano Garib): Parece remeter a Alcebíades Paes Garcia, conhecido como “Bid”, que era patriarca histórico do clã Garcia e foi assassinado em 2020 durante disputa de pontos do jogo do bicho.
- Nelinho (Pedro Lamin): Aparentemente pode ter semelhanças com o ex-PM Wagner Dantas Alegre, que já foi apontado como segurança, “braço direito” ou executor para Bernardo Bello, bicheiro acusado de chefiar o esquema do jogo do bicho, caça-níqueis e contravenção no Rio.
- Esqueleto (Ruan Aguiar): Supostamente guarda semelhanças com Maninho (Waldemiro Paes Garcia) que segundo documentos descrevem que o contraventor teria invadido territórios rivais, desrespeitando acordos tácitos entre famílias do jogo, o que aumentou as tensões com outros bicheiros. Esqueleto é um perfil: impulsivo, destemido.
- Sombra (Igor Fernandez): Reúne traços que podem ter sido inspirados em Fernando Iggnácio, ex-genro de Maninho e, mais tarde, um de seus principais rivais. Afinal, Sombra representa o aliado que conhece profundamente os bastidores da contravenção, mas cuja lealdade pode ser testada a qualquer momento.
© Divulgação, Aline Arruda / Netflix
Por fim, a Família Saad vive uma crise de sucessão. Renzo (Bruno Mazzeo), o herdeiro legítimo, foi preso antes de assumir o comando do negócio e agora luta para retomar o controle de dentro da cadeia. Enquanto isso, o tio Marcinho (Tuca Andrada) administra os negócios e tenta manter o nome da família em evidência.
Na realidade:
Renzo (Bruno Mazzeo) e Marcinho (Tuca Andrada) por suposição se aproximam do perfil de Rogério de Andrade, sobrinho de Castor de Andrade, que assumiu os negócios do tio após sua morte em 1997. Os dois personagens prometem ter mais destaque na segunda temporada de "Os Donos do Jogo", que já está sendo escrita, segundo informações do O Globo.
O ator Stepan Nercessian (Coelho) interpreta, um bicheiro da velha cúpula e um contraventor da "velha guarda" e poderia ser associados ao Piruinha, pseudônimo de José Caruzzo Escafura, um dos membros mais antigos e influentes da cúpula do jogo do bicho do Rio de Janeiro.
Vale destacar que toda essa lista de possíveis inspirações é apenas especulação. O próprio diretor Heitor Dhalia já deixou claro, em entrevista ao Jornal O Globo, que “Os Donos do Jogo” não foi criada como resposta ficcional à série documental “Vale o Escrito”. Segundo ele, o projeto começou a ser desenvolvido entre 2021 e o início de 2022, enquanto o documentário do Globoplay só foi lançado em outubro de 2023.
“O nosso roteiro foi escrito antes”, explicou o diretor. “Lembro que, na mesma semana em que recebemos o sinal verde da Netflix, fui jantar com o Pedro Bial, que é meu amigo. Ele me contou sobre a série que estava prestes a lançar e disse: ‘Você vai querer fazer uma ficção da minha série’. Então respondi: ‘Bial, preciso te avisar para não parecer que estou te copiando. Estou trabalhando nesse projeto há dois anos e só agora ele foi aprovado’. Foi apenas uma coincidência — o zeitgeist, o espírito do tempo.”
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