
O funeral do Papa Francisco acontece na manhã deste sábado (26). Enquanto fieis e autoridades de todo o mundo marcam presença no Vaticano para prestar as últimas homenagens, cardeais da Igreja Católica já se preparam para o conclave.
A regra é que os votantes tenham menos de 80 anos até o dia 21 de abril de 2025, data da morte de Francisco - dentre eles, há sete brasileiros. Todos podem ser votados, mas não podem votar em si mesmos.
A expectativa é que o conclave comece entre 6 e 11 de maio. Pelas regras da Universi Dominici Gregis, a constituição apostólica promulgada pelo Papa João Paulo II há 29 anos, o processo deve ter início entre 15 e 20 dias após a morte do pontífice.

A chegada de todos os votantes no Vaticano pode adiantar o início do conclave - ou atrasá-lo, caso contrário. Estima-se que, atualmente, 135 cardeais votem na eleição do novo papa.
O Purepeople conversou com Paulo César Limongi de Lima Filho, doutor em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e especialista em temas como Igreja Católica, história das religiões e teologia da libertação.
Na entrevista a seguir, o doutor avalia os impactos da ascensão mundial da extrema-direita e do legado de Francisco neste conclave.

Purepeople: Vários nomes despontam como favoritos. O que ajuda a definir quem tem vantagem neste conclave?
Paulo César: Não há necessariamente um favorito no conclave. O mesmo colégio eleitoral que elegeu o então cardeal Ratzinger [Papa Bento XVI], considerado por muitos como um grande conservador, também elegeu Francisco. Porém, uma política internacional mais agressiva dos EUA acaba por favorecer a candidatura de um conservador, principalmente os cardeais Péter Erdő, da Hungria, e Raymond Burke, dos Estados Unidos.
PP: Como funcionam internamente as reuniões gerais do conclave? Há, por exemplo, campanhas dos candidatos?

PC: Sim, existem reuniões chamadas de Congregações Gerais. Nelas, os papabili (possíveis candidatos dentro do conclave) se reúnem para fazer discursos. É comum que grupos de cardeais conservadores, moderados ou progressistas se articulem para eleger um candidato viável dentro de uma coalizão. Foi durante uma dessas Congregações que Francisco, então cardeal Bergoglio, fez um discurso que chamou a atenção dos demais cardeais. Na ocasião, ele comentou sobre os perigos de uma Igreja fechada em si mesma.
PP: A aposta de muitos especialistas é que o próximo papa seja conservador. Por que existe essa crença?
PC: Mais uma vez, voltamos à geopolítica internacional. Há governos de direita chegando ao poder em várias partes do mundo — sendo o exemplo mais emblemático o de Donald Trump. O Vaticano e a Igreja estão inseridos nesse cenário global. O presidente dos Estados Unidos tem feito uma campanha mais ativa em favor de um candidato conservador; seu vice, J.D. Vance, converteu-se recentemente ao catolicismo, o que pode ser interpretado como um gesto em direção ao grupo católico mais conservador.

PP: O Papa Francisco nomeou 80% dos 135 cardeais eleitores do conclave. Isso aumenta as chances de um novo papa mais progressista ou não faz diferença no processo?
PC: Francisco expandiu o Colégio de Cardeais, priorizando as periferias, mas muitos desses cardeais, mesmo sendo de países periféricos ou semi-periféricos, possuem ideias mais conservadoras. Um exemplo é o cardeal Robert Sarah, da Guiné. Ele é um conservador convicto, conhecido como o cardeal “antiwoke”. Mais uma vez, os cardeais são imprevisíveis.
PP: Quais discussões ampliadas pelo papado de Francisco, como medidas contra esquemas de corrupção e pedofilia, ainda devem reverberar na próxima gestão?

PC: Quando pensamos em Francisco, lembramos de muitos de seus gestos e falas. É evidente que seus discursos e sua corporalidade não são triviais; eles marcam gerações e, muitas vezes, são esses gestos que atraem os fiéis. No entanto, são os decretos, as encíclicas e as mudanças estruturais que realmente definem um papado.
O papado de Bento XVI foi marcado por uma série de escândalos sexuais. As denúncias contra padres eram constantes. Cito o caso mais emblemático: o do padre mexicano Marcial Maciel, fundador da Congregação dos Legionários de Cristo — algo que voltou recentemente à tona na mídia, ironicamente. A congregação foi alvo de quase 200 acusações de pedofilia. Apesar de Ratzinger ter tido pulso firme para estabelecer uma política de tolerância zero, acabou desmoralizado e deslegitimado como papa. Existe uma foto emblemática de Maciel beijando a mão do papa logo após os escândalos de 2004 — um golpe quase fatal.
Anos depois, surgiram também problemas de corrupção, inclusive envolvendo o banco do Vaticano. Por fim, Bento XVI renunciou. E o papa Francisco assumiu com a missão — e a força — de reverter esse cenário desastroso para a Igreja. E, de fato, ele o fez. É nesse contexto que vejo espaço para opositores ganharem força neste conclave.

A medida mais importante contra a pedofilia foi publicada em 2019 e se chama Vos Estis Lux Mundi. É uma norma que obriga padres, bispos e qualquer membro da hierarquia a denunciarem abusos, e estabelece sistemas de denúncia em cada diocese — que são os distritos de governança da Igreja — com punições claras para quem acobertar abusadores.
Antes disso, Francisco já havia criado uma Comissão de Proteção aos Menores. Ele também expulsou grandes figuras, como o cardeal Theodore McCarrick e o próprio Marcial Maciel.
No campo econômico, criou a Secretaria para a Economia como órgão fiscalizador de todos os demais da Igreja. Contratou auditorias independentes, externas ao Vaticano. O Código Penal do Vaticano passou a conter leis contra lavagem de dinheiro e corrupção. O Vaticano também aderiu ao Moneyval, órgão europeu de combate à lavagem de dinheiro. Com base nessas leis e novos controles, surgiram processos como o do cardeal [Giovanni Angelo] Becciu, condenado à prisão em 2023 por corrupção.

Há ainda medidas menores — e até um pouco cômicas — como a proibição de que padres recebam presentes acima de 40 euros. Enfim, todas essas mudanças são irreversíveis e continuarão a afetar a vida de todos os que fazem parte do Vaticano.
PP: O filme “Conclave” foi um dos destaques do Oscar, justamente, em 2025. O que tem de ficção e de real nesta obra?
PC: O filme “Conclave”, assim como “Dois Papas”, é interessante para refletir sobre o papado. Porém, não acredito que exista um “Lawrence” na vida real — aquele personagem que entra nos aposentos papais para destruir candidaturas. Em 2025, não parece haver ninguém propondo um retorno ao latim litúrgico como Tedesco faz no filme. Pode até haver um desejo de retorno à tradição, mas não à língua morta. Algumas coisas, especialmente após o Concílio Vaticano II [um evento histórico que teve impacto na renovação da Igreja para adaptá-la ao mundo moderno], foram deixadas para trás para nunca mais voltar.