





Ícone da MPB, Nana Caymmi - que faleceu nesta quinta-feira (1º) - viveu uma intensa, porém breve, relação com Gilberto Gil nos anos 1960. Décadas depois, já na reta final da vida, surpreendeu o público ao disparar críticas duras contra o ex-marido e outros nomes históricos da música brasileira por causa de política!
Filha de Dorival Caymmi e Stella Maris, a artista morreu aos 84 anos no Rio de Janeiro, após nove meses de internação na Clínica São José, em Botafogo. A cantora, uma das vozes mais marcantes da Música Popular Brasileira, deixou um legado que atravessa gerações, mas também histórias pouco conhecidas pelo grande público.
Uma delas é o casamento com Gilberto Gil, entre 1967 e 1969. A união começou pouco depois de Nana retornar ao Brasil, após viver na Venezuela com o primeiro marido, o médico Gilberto José Aponte Paoli, pai de suas duas filhas, Stella e Denise. Repatriada e recém-desquitada, Nana conheceu Gil, então um jovem artista em ascensão. Os dois se apaixonaram e passaram a morar juntos em um hotel em São Paulo.
Durante o relacionamento, compuseram a canção "Bom Dia", apresentada por Nana no III Festival de Música Brasileira da TV Record, em 1967. Anos mais tarde, a música foi relançada por Gil em parceria com Milton Nascimento. Em "Todas as Letras", livro de entrevistas sobre sua obra, Gil relembrou a inspiração: “A cena da mulher acordando o marido para ir trabalhar tem a ver com o fato de ela ter sido composta por mim e pela Nana Caymmi. Era a projeção inconsciente de uma imagem de nós dois; uma homenagem a nós dois”.
Outra música icônica ligada ao período é "Domingo no Parque", escrita por Gil enquanto vivia com Nana. Segundo o cantor, a convivência com ela e as memórias da Bahia e da família Caymmi o ajudaram a moldar a composição.
O casamento, no entanto, não resistiu às pressões políticas do Brasil. Em 1968, Gil foi preso junto de Caetano Veloso pela ditadura militar. No ano seguinte, partiu para o exílio na Inglaterra — destino que Nana não pôde acompanhar, por conta da guarda das filhas. O casal se separou em 1969.
Ainda em 1967, após vencer o I Festival Internacional da Canção da TV Globo com "Saveiros", de Dori Caymmi e Nelson Motta, Nana gravou um compacto com Bom Dia, Alegria, Alegria (Caetano Veloso), O Cantador e O Penúltimo Cordão (de Danilo Caymmi, Caetano e Sergio Fayne). A gravação foi acompanhada pelos Mutantes de Rita Lee.
Décadas depois, em entrevista ao jornal "O Globo" (2012), Nana relembrou o período com bom humor: “Os Mutantes eram jovens, ingênuos e faziam vocais ótimos. Eu vivi a Tropicália de todas as formas, só não a entendia! Ah, e outra coisa que não entendi foi a passeata contra as guitarras elétricas”. E alfinetou: “Ah, mas o Gil foi na conversa da maluca da Elis (Regina). Eu devo ter aproveitado a passeata para vir ao Rio, ir à praia”.
A intensidade de Nana também se manifestou com contundência nos últimos anos de sua vida, especialmente após o início do governo Jair Bolsonaro. A cantora, apoiadora declarada do ex-presidente, não poupou palavras ao criticar antigos parceiros musicais, incluindo Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque.
Em entrevista polêmica à "Folha de S.Paulo", em 2019, ela saiu em defesa de Bolsonaro: “É injusto não dar a esse homem um crédito de confiança. Um homem que estava f*dido, esfaqueado, correndo pra fazer um ministério, sem noção da mutreta toda… Só de tirar PMDB e PT já é uma garantia de que a vida vai melhorar”.
E foi além: “Agora vêm dizer que os militares vão tomar conta? Isso é conversa de comunista”, afirmou. Em seguida, disparou: “Gil, Caetano, Chico Buarque. Tudo chupador de p*u de Lula. Então, vão pro Paraná fazer companhia a ele. Eu não me importo”.
Nem a família escapou. Na mesma entrevista, criticou duramente suas netas por serem fãs do cantor Belo, e atacou a própria sobrinha, a cantora Alice Caymmi, por seguir o pop: “Achei que Alice ia dar mel, mas não deu”.
As declarações de Nana repercutiram fortemente na mídia. Em entrevista ao portal "Metrópoles", Gil respondeu com elegância, mas não deixou de comentar o temperamento da ex-mulher: “Ela é desbocada em todos os sentidos. Para o melhor, na apreciação eloquente do seu entorno de bem-querer e afeição. Para o pior, na vociferação raivosa da sua inquietação para com os que perecem fugir do seu controle”.
Ainda assim, Gil mostrou compaixão. “Nós temos muita paciência e amor para com ela. Como Dorival, seu pai, teve para com Stella, sua mãe”.
Além de Gil, Nana Caymmi foi casada com o pianista João Donato (1972-1974) e com o cantor Claudio Nucci (1979-1984). Criou os filhos sozinha e enfrentou momentos difíceis, como cuidar do filho João Gilberto — fruto de uma relação posterior — após um grave acidente de moto.
A artista que cantava o amor com profundidade também viveu relações turbulentas, como se sua vida espelhasse a intensidade da própria música. E mesmo nos embates públicos, deixou clara sua fidelidade a si mesma, com todas as suas contradições, opiniões e paixões.